Terminal de ônibus. Manhã de frio e neblina forte. Muitos se acotovelam, aguardando a condução que os haverá de conduzir ao trabalho ou à escola. Entre tantos, alguém chama a atenção da jovem que também aguarda.
É um menino de uns dez anos, não mais. Pele morena, blusa de lã, cabelos cortados rente. Olhos pequenos, infinitamente pretos, agitando-se nas órbitas.
Vez ou outra, de forma quase contínua, ele levava a mão esquerda à boca e ela percebia que ele estava cheirando cola. Era um viciado.
Tão pequeno, tão indefeso e penetrando já por vielas tão obscuras.
Poderia ser meu filho, pensou a jovem. Não fosse eu a mãe dedicada e que tem a possibilidade de deixar o próprio rebento aos cuidados de pessoa nobre, enquanto trabalho.
Não estivesse eu, aqui na Terra, ao lado do filho de minhas entranhas.
Poderia ser meu filho se eu não desfrutasse dos valores dignificantes que o cristianismo propõe e que repasso a cada dia, para meu filho.
Sentiu que as lágrimas lhe chegavam aos olhos. Onde estaria a mãe daquela criança? Saberia o que seu filho estava fazendo àquela hora da manhã?
Seu olhar encontrou o do pequeno, que logo desviou os seus dos olhos dela, incomodado.
Ela cedeu ao impulso e se aproximou. Ele se retraiu. Estranha cena. Ela estendeu a mão e lhe acariciou a face, depois a orelha.
Achegou-se bem perto e começou a lhe falar ao ouvido.
Falava tão baixo e de forma tão doce, que chamou a atenção do companheiro do garoto que também se aproximou, desejando ouvir.
Ela lhe falou dos perigos da droga, dos problemas que ela lhe causaria ao cérebro tão novo. Problemas para o restante da sua vida.
Depois foram palavras de afago, de ternura que brotaram daqueles lábios jovens. Palavras que lhes acenavam com esperança e reconforto.
Os meninos ouviram nos primeiros instantes. Depois se tornaram desconfiados e pulando a amurada, debandaram.
O carinho dela os havia afugentado. Pequenas aves assustadas, sem ninho. Acostumadas a pedradas, a olhares de reprovação e impiedade, não podiam imaginar que aquela pessoa falasse a verdade.
Assustaram-se como aves que fogem aos passos apressados dos caminhantes nas calçadas.
A jovem ainda ficou ali um tanto mais, acompanhando-os com o olhar, até os ver sumirem no mar da multidão.
Poderia ser meu filho, falou para si mesma, não estivesse ele protegido em meu lar, sob os afagos do carinho e os cuidados da maternidade e paternidade responsáveis.
* * *
Enquanto prosseguimos nos digladiando em nome de ideias diferentes a respeito desse ou daquele ponto de vista, sobre esta ou aquela forma de interpretação das passagens evangélicas, a morte ronda os passos dos filhos de ninguém.
Muitos deles não chegarão à juventude, porque têm a infância agredida e os anos roubados pela droga.
Enquanto isso, o apelo de Jesus prossegue: Deixai que venham a mim os pequeninos, e não os impeçais...
E qualquer dessas coisas que fizerdes a um desses pequeninos, a mim mesmo o fazeis...
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